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A Síndrome de von Munchhausen - Wikipedia


Síndrome de Münchhausen

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Síndrome de Münchausen ou Transtorno factício é uma desordem psiquiátrica em que os afetados fingem doença ou trauma psicológico para chamar atenção ou simpatia a eles. Às vezes os sintomas podem ser induzidos ou fingidos.

Índice

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[editar]Síndrome

A Síndrome de Münchausen é uma doença psiquiátrica em que o paciente, de forma compulsiva, deliberada e contínua, causa, provoca ou simula sintomas de doenças, sem que haja uma vantagem óbvia para tal atitude que não seja a de obter cuidados médicos e de enfermagem. Na Síndrome de Münchausen, a pessoa afetada exagera ou cria sintomas nela mesma para ganhar atenção, tratamento e simpatia. Em casos extremos, pessoas com esta síndrome têm um alto conhecimento sobre medicina e conseguem produzir sintomas para operações desnecessárias. Por exemplo, podem injetar na veia um material infectado, causando infecção e prolongando sua estada no hospital. É diferente de Hipocondria, o paciente com Münchausen sabe que está exagerando, enquanto o hipocondríaco acredita que está doente de fato.

[editar]Origem do nome

O nome deriva de Barão de Münchausen (Karl Friedrich Hieronymus Freiherr von Münchausen, 1720-1797), a quem é atribuída uma série de contos fantásticos.
Em 1950, o Dr. Richard Asher (o pai de Jane Asher e Peter Asher) foi o primeiro em descrever um padrão de auto-dano onde os indivíduos fabricavam histórias, sinais, e sintomas dedoença. Lembrando o Barão de Münchausen, Asher nomeou esta condição como Síndrome de Münchausen. Originalmente, este termo era usado para desordens fictícias. Porém, agora é considerada que é um grupo extenso de desordens fictícias, e a diagnose de Síndrome de Münchausen é reservada para a forma mais severa onde a simulação de doença é a atividade central da vida da pessoa afetada. É interessante observar que, por mais que guarde uma semelhança externa com a hipocondria, ambas as desordens não se cruzam.

[editar]Tipos

A Síndrome de Münchausen "by proxy" (por procuração) ocorre quando um parente, quase sempre a mãe (85 a 95%), de forma persistentemente ou intermitentemente produz (fabrica, simula, inventa), de forma intencional, sintomas em seu filho, fazendo que este seja considerado doente, ou provocando ativamente a doença, colocando-a em risco e numa situação que requeira investigação e tratamento.
Às vezes existe por parte da mãe o objetivo de obter alguma vantagem para ela, por exemplo, conseguir atenção do marido para ela e a criança ou se afastar de uma casa conturbada pela violência. Nas formas clássicas, entretanto, a atitude de simular/produzir a doença não tem nenhum objetivo lógico, parecendo ser uma necessidade intrínseca ou compulsiva de assumir o papel de doente (no by self) ou da pessoa que cuida de um doente (by proxy). O comportamento é considerado como compulsivos, no sentido de que a pessoa é incapaz de abster-se desse comportamento mesmo quando conhecedora ou advertida de seus riscos. Apesar de compulsivos os atos são voluntários, conscientes, intencionais e premeditados. O comportamento que é voluntário seria utilizado para se conseguir um objetivo que é involuntário e compulsivo. A doença é considerada uma grave perturbação da personalidade, de tratamento difícil e prognóstico reservado. Estes atos são descritos nos tratados de psiquiatria como distúrbios factícios.
A Síndrome de Münchausen por procuração é uma forma de abuso infantil. Além da forma clássica em que uma ou mais doenças são simuladas, existem duas outras formas de Munchausen: as formas toxicológicas e as por asfixia em que o filho é repetidamente intoxicado com alguma substância (medicamentos, plantas etc) ou asfixiado até quase a morte. Frequentemente, quando o caso é diagnosticado ou suspeitado, descobre-se que havia uma história com anos de evolução e os eventos, apesar de grosseiros, não foram considerados quanto a possibilidade de abuso infantil. Quando existem outros filhos, em 42% dos casos um outro filho também já sofreu o abuso (McCLURE et al, 1996). É importante não confundir simulação (como a doença simulada para se obter afastamento do trabalho, aposentar-se por invalidez, receber um seguro ou não se engajar no serviço militar). Alguns adolescentes apresentam quadro de Munchausen by self muito similares aos apresentados por adultos. A doença pode ser considerada uma forma de abuso infantil e pode haver superposição com outras formas de abuso infantil. À medida que a criança se torna maior há uma tendência de que ela passe a participar da fraude e a partir da adolescência se tornarem portadores da Síndrome de Münchhausen clássica típica em que os sintomas são inventados, simulados ou produzidos nela mesma. Ao contrário do abuso e violência clássica contra crianças as mães portadoras da síndrome de Münchausen by proxy não são violentas nem negligentes com os filhos. O problema, descrito a primeira vez por Meadow em 1977, é pouco conhecido pelos médicos e sua abordagem é complexa e deve envolver o médico e enfermagem, especialistas na doença simulada, psiquiatras/psicólogos, assistentes sociais e, mais tarde, advogado e diretor clínico do hospital e profissionais de proteção da criança agredida (Conselhos Tutelares e juízes da infância).

[editar]Referências

^ Feldman, Marc (2004). Playing sick?: untangling the web of Munchausen syndrome, Munchausen by proxy, malingering & factitious disorder. Philadelphia: Brunner-Routledge. ISBN 0-415-94934-3.
^ Fisher JA (2006). "Playing patient, playing doctor: Munchausen syndrome, clinical S/M, and ruptures of medical power". The Journal of medical humanities 27 (3): 135-49. doi:10.1007/s10912-006-9014-9. PMID 16817003.
^ Fisher JA (2006). "Investigating the Barons: narrative and nomenclature in Munchausen syndrome". Perspect. Biol. Med. 49 (2): 250-62. doi:10.1353/pbm.2006.0024. PMID 16702708.

Exemplo Teste do Relógio



Avaliação neuropsicológica - O Teste do Relógio

   
Objetivo: O Teste do Relógio avalia percepção visual, praxia de construção, disfunção do hemisfério direito com negligência à esquerda. Um relógio muito pequeno indica falta de planejamento e números em lugares inadequados sinalizam défice executivo, e tem sido usado para diagnóstico de demências. Idosos normais com mais de 84 anos apresentam queda no desempenho. Este teste pode ser realizado de duas formas: cópia de um desenho ou desenho livre de um relógio. Pode-se, ou não, oferecer um círculo numa folha em branco onde o desenho será realizado. Desenho do Relógio de Acordo com Sunderland e cols. (1989) com desenho livre (sem cópia e sem círculo) Instruções Dar uma folha de papel em branco e dizer: “Desenhe um relógio com todos os números. Coloque os ponteiros marcando 2h45min.” Pontuação 10 A 06: Relógio e números estão corretos: 10 – hora certa. 09 – leve distúrbio nos ponteiros (p.ex.: ponteiro das horas sobre o 2). 08 – distúrbios mais intensos nos ponteiros (p.ex.: anotando 2h20min.). 07 – ponteiros completamente errados. 06 – uso inapropriado (p.ex.: uso de código digital ou círculos envolvendo números). 05 a 01: desenhos do relógio e dos números incorretos. 05 – números em ordem inversa ou concentrados em alguma parte do relógio. 04 – números faltando ou situados fora dos limites do relógio. 03 – números e relógio não mais conectados. Ausência dos ponteiros. 02 – algumas evidências de ter entendido as instruções, mas, o desenho apresenta vaga semelhança com um relógio. 01 – não tentou ou não conseguiu representar um relógio.

Perguntas do simpósio 1

Após o surto, o paciente lembra o que aconteceu?

Na grande maioria dos casos não se lembra. Se o surto for grave, não se lembra mesmo, apenas de pequenos flashes. Se for leve, lembra-se, geralmente, de algumas coisas.


Por que temos que aceitar os outros, com muitas indiferenças?

Se entendi bem a pergunta, a indiferença do outro para conosco, deve ser interpretada por nós mesmos. Por exemplo: o que eu sinto quando percebo a indiferença do outro? Será que, de alguma forma, meus atos contribuem para essa indiferença?

Por que o ser humano, para ficar bem, materialmente, tem que machucar muito às pessoas?

Não concordo que ninguém tenha que machucar ninguém para adquirir algo, nem bens materiais, nem outras coisas quaisquer. Lembrei do exemplo de Bill Gates - dono da Microsoft. Há alguns anos, ele doou 99% de sua fortuna de cerca de 100 bilhões de dólares e passou a viajar pelo mundo criando e mantendo instituições filantrópicas. Pelo que conheço da história dele, há cerca de 35 anos ele começou a produzir programas para computador. Tinha apenas alguns dólares e não machucou ninguém em se caminho para se tornar bilhonário...


Como fazer querer, aquele que perdeu o querer?

Não sei se podemos fazer alguém querer algo... Se esse alguém é marido, namorado, podemos fazer a nossa parte e sempre dialogar. Se é um amigo, filho, também, e sempre dialogar se pudermos contribuir!

Delírio

Curso sobre Delírios

Enfoque atual
Plano de Curso

Curso Ministrado por ocasião do VI Congresso Brasileiro de Psiquiatria 
e II Reunião Luso-Brasileira de Psiquiatria. Salvador, agosto/80.

Othon Bastos
Prof. Docente Livre e Adjunto de Clínica Psiquiátrica do C.C.S. da Universidade Federal de Pernambuco
Professor Titular de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado de Pernambuco.

 

Resumo

        O autor ministrou, durante o VI Congresso Brasileiro de Psiquiatria e II Reunião Luso-Brasileira de Psiquiatria, Bahia, agosto de 1980, um curso intitulado Delírios: Enfoque Atual, cujas gravações foram transcritas e posteriormente revisadas pelo mesmo.

         O curso desenvolveu-se em quatro aulas. A primeira, a respeito da Abordagem Fenomenológica; a segunda, acerca dos Enfoques analítico-existencial, psicodinâmico e organodinamista. As duas restantes versaram sobre Aspectos Trans-históricos e Transculturais da Atividade Delirante e Terapêutica do Paciente Delirante.

Unitermos: delírios*

I – Delírio

Abordagem Fenomenológica

        O tema delírio, à primeira vista, parecia algo out fashion, totalmente démodé, mas na realidade, como diz o mestre Henri Ey, é o tema central da psicopatologia; o discurso psicótico por excelência e o ponto máximo de concreção do pensamento psicótico. Desta forma, não podemos cogitar do fato psicopatológico sem que nos detenhamos na análise do problema do delírio. Delírio é, de fato, o tema central da psicopatologia (H. Ey).

         Esta importância poderá ser demonstrada se tomarmos em consideração, por exemplo, as teses brasileiras, recentes e do passado, sobre esse assunto. Nos últimos 20 anos, pelo menos três teses de alguma envergadura versaram sobre a matéria em foco. O professor Darcy de Mendonça Uchoa, em 1967, com Estrutura Psicológica do Delírio Esquizofrênico, professor E. Portella Nunes, com Obsessão e Delírio, Neurose e Psicose, como subtítulo e o professor M. Chalub em Temas de Psicopatologia, com Delírios e Lógica. Em 1982, o Prof. José Leme Lopespublicou uma importante monografia sob o título: Delírio – Possibilidade de Tratamento. Livraria Atheneu (Rio de Janeiro, São Paulo).

         E, lembraríamos mais, que o delírio, por ser o fato central da psicopatologia, recebia de H. Ey uma ênfase toda especial em seus cursos, tanto em Saint’Anne, quanto em Bonneval. E todo o organodinamismo é baseado exatamente nas correlações entre o sono, o sonho, o ser consciente e o delírio.

         Vamos desenvolver este curso em quatro aulas. Numa primeira etapa, será feita a abordagem fenomenológica. A segunda constará de um enfoque analítico-existencial psicodinâmico e organodinamista. A terceira versará sobre os aspectos transculturais e trans-históricos. E, numa quarta aula, focalizaremos a terapêutica do paciente delirante.

         A propósito da abordagem fenomenológica do delírio, Klaus Conrad afirmava, de modo muito pertinente, no prefácio de seu livro Esquizofrenia Incipiente, que erroneamente se julgava que em psicopatologia a mina estava esgotada. Já se havia atingido o cume, e nada mais poderia ser acrescentado aos trabalhos das Escolas de Heidelberg. Isto numa época em que se dizia em tom jocoso que para se saber psiquiatria teria que se aprender alemão; ou quem já conhecia alemão, já sabia psiquiatria. O assunto como que estaria concluído, encerrado, com os trabalhos da escola Germânica. Mas, na realidade, à Escola de Heidelberg muito se deve, mas muito ainda está por ser visto e descrito. Por isto, quando tentarmos um enfoque atual do delírio teremos, dentro desta visão, que nos preocuparmos quer com os fundamentos do grupo alemão, quer com os aspectos novos, pós-heidelberguianos. E é isto que buscaremos, até um tanto imodestamente, apresentar neste breve curso.

         O primeiro problema, então, será decidir como devemos considerar o delírio dentro da psicopatologia fenomenológica. Do ponto de vista Jaspersiano, o delírio será um distúrbio da consciência da realidade e dos juízos. Melhor dizendo, dos juízos da realidade, uma vez que esta se constrói a partir dos juízos que elaboramos sobre ela própria. Portanto, uma característica básica do fato delirante é ser exatamente um distúrbio da consciência da realidade e, conseqüentemente, dos juízos que efetuamos sobre esta mesma realidade. Já Kurt Schneiderdefendia em seus livros que o delírio seria um distúrbio do conteúdo do pensamento.

         A querela heidelberguiana perdurou por muito tempo. E, ainda hoje, quem pensa jasperianamente insiste nas alterações da consciência da realidade e dos juízos, enquanto que quem segue Kurt Schneider versa sobre os distúrbios do conteúdo do pensamento.

         Façamos agora algumas considerações históricas. A primeira delas será a diferenciação entre delírios e demência. Guiraud, velho psiquiatra francês, fazia esta distinção e mostrava que se o paciente tinha sintomas produtivos, ele era então chamado de delirante. Se, ao contrário, ele apresentava sintomas negativos, ou se encontrava deteriorado, era julgado demente. Desta forma, durante muito tempo contrapôs-se a noção de demência àquela de delírio, e vice-versa. Todavia, isso foi superado graças à psicologia fenomenológica de Hegel, de Husserl e de K. Jaspers; este último, bastante jovem, aos 23 anos, lançaria, em 1910, seu estudo sobre o Delírio de Ciúme. Em 1913, apresentaria ao mundo aquele monumento que foi exatamente sua Psicopatologia Geral. Não somente a Jaspers, como também a Kurt Schneider, a Gruhle e a Carl Schneider, muito devemos. E toda esta abordagem fenomenológica se baseia no fenômeno da compreensão empática.

         O que é, então, Psicologia Fenomenológica? Se formos definir a Psicologia Fenomenológica, diremos que a mesma é a apreensão dos fatos psíquicos, tais como eles se dão na consciência, considerandos de acordo com o seu essencial imanente, ou seja, a apreensão dos dados imediatos da consciência. Consciência aí entendida no sentido de consciência reflexa, como um reflexo subjetivo da realidade objetiva. E este enfoque fundamentado no esforço de compreensão empática é totalmente diverso do approach analítico-existencial e também do psicodinâmico.

         A etimologia da palavra delírio é simples e fácil. Decompõe-se em de – desvios e liros – trilha; desvio de uma trilha, trilha esta que é a realidade. Desvio, por conseguinte, da consciência da realidade externa, em contraposição à realidade interna.

         Vamos, agora, focalizar conceitos e características clínicas dos delírios.

         Começaremos com uma das noções mais antigas que se conhece, que é exatamente o conceito de Oswald Bunke. Delírio como erro originado morbidamente e incorrigível. Reparem bem: erro, portanto, um engano, originado morbidamente, quer dizer, um erro patológico e incorrigível. A incorrigibilidade considerada como algo imanente ao delírio. Assim expunha Bunkeem seu trabalho, e também assim se pensou durante muito tempo. Era esta a definição clássica de delírio, de circulação corrente: “erro originalmente morbidamente e incorrigível”.

         Bleuler acrescentou algo mais. Não era mais apenas um erro. Seriam representações falsas. Esta expressão, representações, não é feliz, e diremos depois o porquê disto. Contudo, ele dizia que são representações falsas, que não procedem de uma insuficiência casual da lógica, mas de uma necessidade ou tendência íntima. Tendência esta que Kraepelin chamou de tendência delirante. Reparem bem, representações falsas, que não procedem de uma insuficiência casual da lógica, mas de uma necessidade ou tendência íntima e complementava: “não há necessidades, senão afetivas.” Portanto, o laço afetivo, o selo afetivo tornou-se então, presente.

         Jaspers foi mais abrangente e procurou caracterizar o delírio – juízo falseados patologicamente - , com as seguintes características: convicção extraordinária; certeza subjetiva irremovível; crença inabalável; ininfluenciabilidade e impossibilidade de conteúdo.

         Vamos tentar, pretensiosamente, criticar o conceito jaspersiano:

1. Juízos falseados patologicamente. O delírio é um juízo errôneo, mas nem todo juízo errôneo é delirante. Por exemplo, as convicções dos indivíduos fanáticos considerados isoladamente, em grupo ou em massa; os preconceitos de ordem religiosa, profissional, política, de cor, de casta; os estereótipos, as superstições, crenças e crendices, os mitos e as idéias prevalentes. Todos esses são exemplos de juízos falsos, que não são delirantes.

2. Aspecto – Crença inabalável. A firmeza dessas crenças poderá deixar de existir. E, quase sempre, não existe no início do surto psicótico. E mesmo em períodos de remissão, o paciente é capaz de fazer crítica espontânea ao seu delírio.

3. Aspecto – Impossibilidade de conteúdo. Há casos, como é bem sabido, de autêntico delírio, em que os juízos não só são possíveis, como são também verdadeiros. No caso do delírio de ciúme, a própria pessoa, o ciumento, pode estar realmente sendo enganado pelo outro cônjuge. Como diziaDe Clerambault e a frase é felicíssima: plút au ciel, Monsieur, qu’il suffise d’étre coeu, pour n’étre point malade! Traduzindo: “agradece aos céus, senhor, que basta ser enganado pela esposa para não ser doente.” Como se bastasse ser burlado pela esposa para não estar doente. Mas, isto não basta. As duas coisas podem acontecer simultaneamente. Além de ser enganado, ele também pode delirar. E, como vamos distinguir que o juízo, que é verdadeiro, seja delirante também? Teremos que caracterizá-lo pelos seus aspectos formais, e também por sua falta de coerência, uma vez que um juízo é delirante, quando é incoerente, ou seja, quando ele não conserva a coerência dentro de um sistema de referências. Vou dar um exemplo, tirado do mestre Henri Ey.Ele mencionava existir realmente um paciente, conhecido por todos na pequena cidade de Bonneval, onde residia, que era, de fato, enganado pela mulher. Mas este tinha um delírio de ciúmes assim formulado: “sei que sou traído, porque todo dia que eu entro em casa, o cuco está dando 5 horas.” Era a hora em que ele voltava do trabalho, e sendo o cuco um ladrão de ninhos, então ele julgava ser atraiçoado pela mulher, e o canto do cuco era a prova delirante apresentada. Ele nunca a flagrou, embora não lhe faltassem certezas trazidas pelo cuco, que eram eminentemente crenças delirantes. Outro exemplo de um juízo delirante verdadeiro, o mesmo delírio de ciúme, desta feita tomado de empréstimo a Portella Nunes. Ele narra, exatamente, que o paciente tinha certeza que a mulher o traía, porque um dia ao chegar em casa, o gato levantou a cauda. Esta seria uma percepção delirante primária, que representaria um juízo patológico delirante. O juízo, portanto, para ser verdadeiro, tem que ter coerência, dentro de um sistema de referências. Isto é fundamental.

4. A ininfluenciabilidade. Nossa experiência clínica habitual nos diz que nossos delirantes são ininfluenciáveis. Às vezes não conseguimos fazer desaparecer o delírio, mas podemos modificá-los. Mostrarei na próxima aula a experiência muito interessante de Milton Rokeach, sobre os The Three Christs of Ypsilanti, ou seja, os três Cristos de Ypsilanti. Relatarei como foi possível trabalhar com três pessoas diferentes, três delirantes que se diziam Cristo. Os mesmos foram reunidos num state hospital e passaram dois anos juntos em uma experiência por demais curiosa. Suas crenças delirantes não desapareceram, mas foram em parte modificadas. Assim sendo, essa ininfluenciabilidade é falsa. Reparem, portanto, que dificuldade existe em se definir delírio. Até a definição do mestre Jaspers é susceptível de críticas.

         Vamos ver agora as relações entre o delírio e lógica. Do ponto de vista da lógica, o delírio é um juízo falso, impossível e ilógico ou irracional.

         M. Chalub, eu sua tese sobre este assunto, menciona os vários tipos, ou seja, as quatro situações em que estão presentes juízos falsos. Ele lembra a existência de juízos falsos impossíveis e ilógicos ou irracionais. Por exemplo: se algum de vocês aqui se levantasse e dissesse – “eu sou um selenita” ou “sou habitante de Marte”, seria um juízo falso, impossível e ilógico ou irracional. Mas, se alguém aqui se pusesse de pé e falasse: “eu já estive na lua”... o juízo seria falso, impossível (salvo se ele fosse um astronauta), mas seria racional. Isto porque no 1º caso o erro é chamado erro lógico e, no 2º caso, o erro é chamado gnoseológico. No 1º caso, temos um absurdo, no 2º caso, uma insensatez.

         Existem ainda os juízos falsos possíveis e improváveis de 2ª categoria. O juízo falso, nesta condição, já não é mais impossível, é possível, porém, é muito pouco provável. Nas situações de delírio de relação e nos delírios sensitivos de auto-referência, o juízo pode, de fato, ser possível, embora seja muito pouco provável. Neste caso, então, nós temos um contra-senso, e não um absurdo ou mera insensatez.

         E ainda temos o caso dos juízos falsos possíveis e pouco prováveis (improváveis em 1º grau). Conta-se o exemplo descrito por Schneider, de uma mulher que levara uma vida sexual promíscua e que, entre outras pessoas que partilharam de seu leito, houve um príncipe. Depois ela teve um filho e julgava que o mesmo era filho do príncipe. Trata-se, por conseguinte, de um juízo falso, possível, pouco provável, uma “inverdade”. O juízo delirante, por excelência, é um juízo falso, impossível e ilógico ou irracional.

         Outro item importante é o que diz respeito à distinção entre delírio idéia e delírio estado.

         O delírio é uma modificação própria e global de toda a vida e atividade psíquicas e não apenas um mero elemento anormal desta vida psíquica. Quando uma pessoa delira, não se trata de uma simples alteração de uma função psíquica, mas de uma mudança global. Sem o transtorno básico esquizofrênico, sem a transformação esquizofrênica da personalidade, não existe o verdadeiro delírio. Para que haja delírio, é preciso que se verifique uma transformação plena. Então o delírio não é apenas uma idéia, um distúrbio de ideação, uma idéia falsa, delirante. Se não ocorresse modificação global de toda a atividade psíquica, as vivências alucinatórias dos delirantes crônicos, ou dos esquizofrênicos delirantes, teriam para eles o mesmo valor e significado que as alucinações assumem para os portadores de delirium tremens e quadros toxiinfecciosos em geral.

         Façamos, agora, a diferenciação entre Wahn e delirium, Wahn, delusion ou delusão. Delirium ou Delir. Delírio com D maiúsculo ou d minúsculo, como prefere Henry Ey. No primeiro, há consciência vígil clara, lucidez de consciência. No 2º, no delirium, verifica-se uma turvação da consciência. Consciência, no sentido de vigilância. A consciência reflexa está comprometida noWahn, enquanto que a consciência vígil encontra-se perturbada no delirium (Délir).

         Uma segunda noção a ser esclarecida é a diferença entre delírio primário e delírio secundário. É aquilo que Jaspers chama de Wahnideen e Wahnhafteideen. Idéia delirante, ou idéia deliróide, deliriforme. Wahnideen é o delírio primário. É aquele que surge sem um estado de ânimo que o justifique e que apresenta aquilo que Jaspers chamava de incompreensibilidade psicológica. Não só incompreensibilidade, como também inderivabilidade e impenetrabilidade psicológicas. E Wahnhafteideen é justamente a idéia deliróide, que deriva de um estado de ânimo particular. É o delírio secundário; secundário a um estado de ânimo, que poderá ser uma distimia, elação ou depressão, desconfiança, ou angústia expectante. A isto que Jaspers chamava deWahnhafteideen, quer dizer, idéias deliróides, é o que Kurt Schneider denominava de reações deliróides. O delírio primário será sempre incompreensível patologicamente para K. Jaspers. O seuDasein, o aspecto formal da psicose, será , portanto, incompreensível, embora o Sosein torne-se compreensível. O “Estar aqui”, o “ser-aí” é incompreensível, embora o “ser assim” do conteúdo da psicose seja passível de compreensão, uma vez que o Sosein é a patoplastia do delírio, e não sua patogenia. Este é o ponto de vista da psicologia fenomenológica a respeito. Para os psicanalistas, porém, todo delírio será compreensível em função das motivações e das necessidades íntimas. Vamos exemplificar para tornar mais claro. Por que alguém não delira mais com maçonaria, ou por que se delira muito pouco atualmente com maçonaria? Por que hoje se delira muito mais com coisas tecnológicas? Porque isto diz respeito ao Sosein do delírio, ao seu conteúdo, à sua patoplastia. O conteúdo será sempre compreensível, uma vez que se delira com as preocupações atuais, o passado pessoal e a própria vida, ou seja, as experiências pretéritas e do momento de cada um. Isto explica a razão pela qual a mocinha do interior tem seu delírio místico e a jovem de Copacabana vá delirar com temas tecnológicos, de preferência. Mais uma vez referimo-nos aoSosein e não ao Dasein do delírio.

         Classifiquemos, a seguir, os distúrbios da consciência da realidade. Eles podem ser primários ou secundário, segundo o ponto de vista fenomenológico. Examinemos, então, as vivências delirantes primárias, de acordo com o critério jaspersiano. Aliás, não se pode falar em delírio sem se referir à pessoa dele. Antes, porém, de se instalar o delírio, surge o chamado humor delirante, o Wahnstimrung. Aquela mudança especial que se verifica no paciente e que faz com que ele tenha uma consciência de significado anormal dos fatos e das coisas. “Algo está mudado; algo está diferente; algo de novo está surgindo; algo está no ar!...” Tudo está mudado!... Esta consciência de significado anormal, é o que se chama de humor delirante. O humor delirante precede a eclosão do delírio. Depois que ele se estrutura, o mesmo cessa. Esta fase que antecede o surgimento do delírio corresponde ao grau máximo de angústia psicótica.Klaus Conrad apontou quatro fases na esquizofrenia incipiente e utilizou os seguintes nomes, por demais invulgares, para designá-los: trema, apofania, anastrofé e apocalipse. O trema é aquele estado de tensão peculiar em que o ator fica antes de entrar em cena e que o professor experimenta antes de iniciar a aula. Poderá ser de maior ou menor intensidade. Esta é uma palavra tirada do argot, da gíria do teatro. Apofania é a apresentação do delírio. É justamente a fase em que existe o humor delirante, em que há toda uma mudança, uma transformação. Na vivência apofânica, que é um “fazer-se manifesto”, há uma alteração do mundo e dos objetos, em relação ao sujeito. Já a anastrofé é uma mudança no sistema de relações. É quando o indivíduo passa a se situar ptolomaicamente, como centro do universo. Ele é o ponto central do mundo. Tudo gira em torno dele: o barulho, tudo que se passa ao seu redor, o zunzum, a polícia, o rádio, a televisão, o jornal, tudo está girando em torno dele. Afirma Conrad que quando há uma vivência apofânica, quer dizer, quando ocorre uma vivência de humor delirante, o ser se transforma anastroficamente. Este passa a se sentir centro de gravitação do universo. Instala-se, então, uma concepção ou posição ptolomaica do mundo. O apocalipse “revelar” ou “manifestar”, é a fase que corresponde justamente a uma destruição mais ou menos rápida do campo situacional em vivências puramente imaginárias. É a revelação total do delírio. Não há mais humor delirante porque as idéias já tomaram forma e assumiram corpo.

         As formações delirantes para Jaspers são: as percepções delirantes primárias, as representações delirantes, as cognições delirantes e as idéias deliróides. Existe uma percepção delirante primária, quando se atribui a uma percepção normal, um significado anormal, no sentido de auto-referência. A percepção no caso existe; ela é a verdadeira, apenas atribui-se um significado anormal à mesma. É aquilo que K. Schneider chama de vivência de dois membros, ou de dois laços. Um que vai do indivíduo ao objeto percebido; o outro, do objeto percebido à significação anormal. Pode ser auditiva, visual etc. Se algum dos presentes dissesse que iria abandonar o curso por ter tido uma revelação de que, de hoje em diante, deveria fazer a pregação da “cosmogonia” e da “filosofia fundamental universal”; e acrescentasse que nada via, ouvia ou sentira, apenas tivera uma intuição... Estaríamos, então, diante de uma convicção intuitiva, que seria uma vivência de um só membro, uma vez que o elemento perceptivo seria como que dispensado. A pessoa deliraria sem que houvesse existido uma percepção, sem o elemento sensorial, visual, auditivo ou olfativo.

         Jaspers refere outros elementos da percepção delirante primária, tais como, incompreensibilidade psicológica, a irredutibilidade, inderivabilidade e impenetrabilidade. Afirma que ela tem um caráter numinoso, de coisa imposta. É algo que se impõe à consciência do delirante.

         Representações delirantes. Jaspers fala em representações delirantes que, por sinal, é um conceito muito criticado. Para muitos, trata-se de ilusões ou alucinações da memória. Para outros, seriam cognições ou ocorrências delirantes. Vamos dar-lhes um exemplo clássico do próprioJaspers: a velha história do paciente que num belo dia julgou que era descendente do rei Baviera, pois, quando era menino, assistiu a uma parada militar, em que o mesmo desfilou e olhou para sua pessoa de uma maneira muito especial. Claro que ele não delirou no passado. Mas ele tomou uma representação, ou seja, o retorno à consciência de uma imagem percebida anteriormente, e atribui-lhe um significado delirante.

         Portanto, a representação delirante é sempre algo retrospectivo, que se refere a uma experiência do passado. Alguém também poderia considerar-se nobre, porque em menino deram-lhe de presente, na primeira comunhão, um copo de monograma dourado. Aquilo, então, seria sinal de nobreza. Esta pessoa não teria delirado aos oito anos de idade, mas, ao adoecer, na adolescência, ele reelaboraria sua existência. E nesta reelaboração delirante incorporaria, também, esta representação de seu passado.

         As cognições delirantes são convicções intuitivas, certezas súbitas, revelações imediatas, intuições puras, atuais. A divindade, o poder, a beleza de cada um etc., são intuídos de um momento para o outro.

         Kurt Schneider classifica diferentemente as formações delirantes. Segundo ele, teríamos as percepções delirantes primárias e as ocorrências delirantes. As representações e cognições delirantes seriam consideradas meras ocorrências delirantes.

         Por outro lado, as Wahnhafteideen seriam reações delirantes para Schneider e idéias deliróides para Jaspers. Seriam aquelas vivências compreensíveis a partir de um estado de ânimo determinado. Um indivíduo deprimido, por exemplo, vê uma vela se apagando e julga que a própria existência está murchando, desaparecendo. A pessoa em fase de euforia ou elação patológica também poderá perceber a realidade de uma forma delirante, no sentido de grandeza ou de aumento do próprio eu. Alguém que estivesse mergulhado em um estado de desconfiança poderia, em função desta situação, deste estado de ânimo, passar a interpretar tudo deste modo.

         Temos, ainda, as idéias supervalorizadas, sobrevaloradas, sobrevalentes ou idéias errôneas por superestimação afetiva. As idéias dos fanáticos servem de exemplo e são também psicologicamente compreensíveis, ou seja, deliróides. As interpretações delirantes, porém, são diferentes, uma vez que são juízos falsos, possíveis e improváveis, não-simultâneos ao ato perceptivo. A percepção delirante é instantânea, e simultânea ao ato perceptivo. A interpretação, por sua vez, será elaborada, construída, a partir daquela percepção, daquilo que foi percebido. A significação é secundariamente atribuída ao objeto percebido, a posteriori, por vezes de imediato, mas não instantânea e simultaneamente. A interpretação será sempre possível, em função deste lapso de tempo que permitirá sua elaboração.

         As idéias de auto-referência que compõem os delírios sensitivos de relação de E. Kretschmer, os delírios das solteironas, dos surdos e dos masturbadores serão compostos habitualmente de interpretações delirantes, ao invés de percepções delirantes primárias.

         Por sua vez, a elaboração ou sistematização delirantes encarregar-se-ão da produção dos delírios crônicos, que serão os delírios fundamentais, por excelência. E, segundo a escola francesa, eles poderão ser de estrutura paranóide, parafrênica ou paranóica.

         O delírio crônico é paranóide quando ele se desgasta ao longo do tempo; empobrece e surge uma deterioração intelectual e afetiva no paciente.

         É parafrênico quando o indivíduo mantém os dois mundos, a dupla contabilidade, o mundo diplópico. O delírio permaneceria em cidadela sitiada, como dizia De Clérambault. O doente manteria um pé dentro da realidade e outro mergulhado em um mundo derreístico.

         O delírio paranóico será aquele que se desenvolverá a partir de um determinado tipo de personalidade, como uma forma de hipertrofia dela. Na paranóia, então, será difícil a demarcação do início da doença, porque ela será a vida e a paixão do próprio paranóico. Por este motivo, a paranóia é tão rara. De acordo com Jaspers, a paranóia será um desenvolvimento, enquanto que a parafrenia e a esquizofrenia paranóide serão formas processuais. A elaboração delirante fará com que, a partir de percepções, cognições ou interpretações, se estruture um sistema que se tornará prospectivo e retrospectivo, invadirá o passado e projetar-se-á no futuro, produzindo toda uma existência delirante.

         As parafrenias são também chamadas pelos autores franceses de psicose alucinatória crônica. Kraepelin classificava-as em sistemáticas, expansiva, fantástica e confabulatória.

         Sistemática , quando o delírio era estável e estruturado. Fantástica, quando o tema era mirabolante. Confabulatória, quando o paciente fabulava au fure et à mesure, quer dizer, a cada momento, a cada instante. E expansiva quando existisse um humor um tanto eufórico. Genil-Perrin descreveu o fundo constitucional do paranóico. Segundo este autor, para existir uma paranóia é preciso que haja uma personalidade própria e peculiar, constituída dos seguintes traços: orgulho, quer dizer, hipertrofia do eu, desconfiança, falsidade dos julgamentos e rigidez psíquica. Temos visto alguns casos de paranóia. Raros. Alguns examinamos em perícia forense e outros acompanhamos, em consultório, ainda hoje. Todos são sempre reivindicadores, litigantes, querelantes, todos com este tipo especial de personalidade.

         Quanto à natureza ou substância primordial, o delírio poderá ser intuitivo, quando ele se instaura a partir de cognições ou de ocorrências delirantes. Imaginativo, quando ele é constituído de fabulações. É o delírio de imaginação de Dupré. Poderá ser interpretativo. É o delírio sensitivo de auto-referência de Kretschmer, o delírio interpretativo de Séricux e Capgras etc.

         Sensorial, quando ele é predominantemente alucinatório.

         E onírico; são os delírios confuso-oníricos de Falret e Régis, quando verifica-se turvação da consciência. É o delirium.

         Quanto à direção. Quando o “eu” delira ele entra em choque com o mundo exterior, isto é, o delírio é um conflito entre o “eu” e o mundo externo, entre o “eu” e a realidade. Então, quando a pessoa delira, às vezes, o “eu” cresce e transborda. É o ego inchado, diastólico, inflacionário. E o delírio é dito centrífugo ou de sentimentos expansivos. Em outras vezes o delírio é centrípeto, constrictivo, de sentimentos dolorosos. É o “eu” que murcha, é a Ego-sístole, a hipotrofia do eu, em contraposição a Ego-diástole do delírio de grandeza.

         E a formação intermediária, a formação de compromisso entre as tendências expansivas e constrictivas da personalidade, comporá o delírio misto, cujo exemplo clássico é persecutório. Os delírios de ciúme e os de influência também se situam entre os mistos.

         O delírio poderá ser, quanto à estrutura, sistematizado ou não-sistematizado. É sistematizado quando ele se ergue, se organiza e se estrutura, constituindo um sistema delirante. E este sistema surge a partir da elaboração ou conversão delirantes, que se encarregam da produção e do enriquecimento do delírio.

         O não sistematizado é instável e inconsistente. Pobre em sua estrutura, não se organiza em sistema e não é estável no tempo.

         Quanto ao curso evolutivo, o delírio poderá ser agudo, que é o delírio do momento; o delírio do bouffée delirante, das psicoses delirantes agudas. O delírio passa como se fosse um pesadelo, muitas vezes sem deixar lembranças. É a baforada delirante, o episódio delirante agudo. Esquizofrenia aguda, para os autores norte-americanos. Ou ele poderá ser crônico, sistematizado, estruturado – é o delírio da existência ou existência delirante.

         Quanto as modalidades ou temas, eles poderão ser dolorosos. São os temas hipocondríacos; de negação de órgãos (que é célebre delírio de Cotard com imortalidade dolorosa) de transformação ou possessão, de auto-acusação, culpabilidade, danação e negação de mundo. Os de auto-acusação, ruína, culpabilidade e danação pertencem tipicamente aos melancólicos. Por outro lado, os sentimentos expansivos ou megalomaníacos poderão existir no plano físico: beleza, força, erotomania e imortalidade. A ilusão delirante de ser amado ou cobiçado eroticamente é a essência da erotomania. No plano intelectual, teremos idéias de grandeza, relacionadas com inteligência, cultura, invenção e reformas. No plano social, as idéias megalomaníacas se referirão à riqueza, poder ou genealogia ilustre e, no espiritual, dirão respeito à missão religiosa ou misticismo.

         Quanto aos mistos, representam um acordo entre as tendências expansivas e constrictivas do “eu”, desde que, ao mesmo tempo em que o indivíduo sofre a perseguição, ele é destacado e escolhido como alvo para ser perseguido. Desta forma, no ato de ser perseguido estão presentes as tendências egocípetas e egocífugas do “eu”. Os mistos englobariam, por conseguinte, os delírios de prejuízo, perseguição, influência, reivindicação, querelância, relação e ciúme.

         Ao finalizarmos esta primeira aula, gostaríamos de repetir algo que se constitui em fato básico, fundamental da Fenomenologia, ao lembrarmos mais uma vez que o delírio não é uma mera alteração de uma função psíquica isolada, mas uma modificação própria e global de toda a atividade psíquica. Se não existir uma transformação total da personalidade, a exemplo do que se passa na psicose esquizofrênica, jamais teremos um verdadeiro delírio. Haverá uma experiência psicodélica, uma viagem lisérgica, um quadro confusional ou oniróide, mas não ocorrerá a verdadeira experiência delirante.

Summary

         During the 6th Psychiatric Brazilian Congress and the 2nd Psychiatric Luso-Brasilian Meeting, Bahia, Brazil, August, 1980, the author offered lectures under the title Delusions: Contemporany Approach. Afterwards the lecture’s tapes were written and reviewed bu himself.

         The Course was divided em four lectures. The first one was about the Phenomenological Point of View of the Delusions: the second about the Analytical Existencial, Psychodynamical and Organodynamist Approachs. The remained lessons were concerned with Delusion’s Transcultural and Transhistorical Aspects and The Treatment of the Delusional Patient.

Uniterms: delusions*


Referências

1. Alonso Fernandez F – Fundamentos de la Psiquiatria Actual. Editorial Paz Montalvo, Madrid, 2 volumes. 1968.

2. Binswanger L – Case of Ellen West. In: May R, Angel E & Ellenberger HF – Existence, Basic Books, New York, p. 232-364, 1958.

3. Bleuler E – Tratado de Psiquiatria. Espasa, Calpe, Madrid, 1967.

4. Chalub M – Temas de Psicopatologia. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1977.

5. Conrad K – La Esquizofrenia Incipiente. Aihambra, Madri, 1963.

6. Ey H – Estudos sobre los Delírios. Editorial Paz Montalvo, Madrid, 1950.

7. Ey H e cols. – Manuel de Psychiatrie, Masson. Paris, 1970.

8. Kaplan H Freedman AM & Sadok BJ – Comprehensive Textbook of Psychiatry. Willians & Wilkins Co. Maryland, 3rd Edition, Vol. II, 1980.

9. Freud S – O caso de Schreber. Notas Psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de Paranóia (Demência Paranóide). Edição Standard das obras psicológicas completas de Freud. Imago Editora Ltda. Rio de Janeiro. Vol. XII, 1976.

10. Froom F – Psicoterapia Intensiva em la Esquizofrenia y en los maníaco-depressivos. Ediciones Hormè: Buenos Aires, 1978.

11. Jaspers K – Psicopatologia General. Editora Beta. Buenos Aires. 1955.

12. Lucena J – Esquizofrenia e sociedade contemporânea: conceitos e mudanças sintomatológicas. Neurobiologia Recife, 39 (supl): 53-67, 1976.

13. Melo Al – Psiquiatria. Atheneu. São Paulo. Vol. 1. 1970.

14. Paim I – Curso de Psicopatologia. Editorial Grijalbo Ltda. São Paulo, 1974.

15. Portella Nunes E – Obsessão e Delírio: Neurose e Psicose. Imago Editora Ltda. Rio de Janeiro, 1976.

16. Rokeach M – The Three Christs of Ypsilanti. A Narrative of three Lost Men. A Vintage Book, New York, 1964.

17. Schneider K – Problemas de Patopsicologia y de Psiquiatria Clínica. Paz Montalvo, Madrid, 1947.

18. Schneider K – Psicopatologia Clínica. Paz Montalvo, Madrid, 1951.

19. Uchoa DM – A estrutura psicológica do delírio esquizofrênico. Tese. Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, 1962.


Planos de aula

1 – Assunto – Delírio: Enfoque atual.

2.1 – Conceituar e caracterizar as alterações da consciência da realidade.
2.2 – Distinguir entre Wahn e Delirium, delírio primário e delírio secundário.
2.3 – Estudar os principais distúrbios da consciência da realidade: vivência delirantes primárias, vivências deliróides e idéias delirantes.
2.4 – Expor uma sistemática dos delírios quanto aos seguintes critérios: matéria, direção, estrutura, curso evolutivo e temática.
2.5 – Tecer breves considerações sobre as abordagens analítico-existencial, psicodinâmica e organodinamista dos delírios.
2.6 – Focalizar aspectos transculturais e trans-históricos da atividade delirante.

3 – Estratégias
3.1 – Método – exposição oral e esquematização.
3.2 – Tempo – 50 minutos.
3.3 – Recursos – uso do quadro-negro.
3.4 – Motivação – o próprio assunto, recursos e sugestões para debates.

Desenvolvimento do assunto

Delírio: Enfoque Atual

1 – Abordagem fenomenológica – generalidades – introdução.
1.1 – Delírio como distúrbio da consciência da realidade e dos juízo (K. Jaspers). K. Schneider e os distúrbios do conteúdo do pensamento.
1.2 – Considerações históricas. A escola de Heidelberg. Etimologia da palavra delírio.
1.3 – Conceitos clássicos e características do delírio. O. Bunke, E. Bleuler e K. Jaspers.
1.4 – Críticas aos conceitos.
1.4.1 – Juízos falseados patologicamente.
1.4.2 – Crença inabalável.
1.4.3 – Ininfluenciabilidade.
1.4.4 – Impossibilidade de conteúdo.
1.5 – Delírio e lógica.
1.6 – Delírio idéia e delírio estado.

2 – Distinção entre delírio (Wahn, delusão) e Delirium (Délir). Delírio com D maiúsculo ou minúsculo.

3 – Distinção entre delírio primário (Wahnideen) e delírio secundário (Wahnhafteideen). Reações ou idéias deliróides.

4 – Distúrbios da consciência da realidade (primários e secundários)
4.1 – Vivências delirantes primárias. Humor Delirante. Trema. Apofania, anastrofé e apocalipse de K. Conrad.
4.2 – Formações delirantes segundo K. Jaspers.
4.2.1 – Percepções delirantes primárias. Conceito e características. Comentários e críticas.
4.2.2 – Representações delirantes.
4.2.3 – Cognições delirantes.
4.2.4 – Idéias deliróides.
4.3 – Formações delirantes de acordo com K. Schneider:
4.3.1 – Percepções delirantes primárias.
4.3.2 – Ocorrências delirantes. Críticas às representações delirantes.
4.3.3 – Reações deliróides.
4.4 – Reações ou idéias deliróides. Compreensibilidade. Idéias supervalorizadas.
4.5 – As interpretações delirantes.
4.6 – As Idéias Delirantes – A elaboração ou sistematização delirantes. Delírios crônicos de estrutura paranóide, parafrênica e paranóica. As parafrenias segundo E. Kraepelin. As psicoses alucinatórias crônicas. “O fundo constitucional do paranóico” (Genil-Perrin). Desenvolvimento e Processo (K. Jaspers).

5 – Sistemática dos delírios.
5.1 – Quanto à natureza ou substância primordial:
5.1.1 – intuitivos;
5.1.2 – Imaginativos;
5.1.3 – Interpretativos;
5.1.4 – Sensoriais;
5.1.5 – Oníricos.
5.2 – Quanto à direção ou tropismo:
5.2.1 – Centrípetos (sentimentos dolorosos).
5.2.2 – Centrífugos (sentimentos expansivos).
5.2.3 – Mistos.
5.3 – Quanto à estrutura:
5.3.1 – Sistematizados (simples ou complexos);
5.3.2 – Não-sistematizados (simples ou complexos).
5.4 – Quanto ao curso evolutivo:
5.4.1 – Agudos (“delírio do momento”, “estar delirante”);
5.4.1.1 – episódicos;
5.4.1.2 – periódicos.
5.4.2 – Crônicos (“delírio da existência”, “ser delirante”).
5.4.2.1 – estáveis;
5.4.2.2 – progressivos.
5.5 – Quanto às modalidades ou temas:
5.5.1 – Sentimentos dolorosos – hipocondríacos, negação de órgãos, transformação (possessão), auto-acusação, ruína, culpabilidade, danação e negação do mundo.
5.5.2 – Sentimentos expansivos:
5.5.2.1 – plano físico – força, beleza, erótico, imortalidade;
5.5.2.2 – plano intelectual – inteligência, cultura, invenção, reformas;
5.5.2.3 – plano social – riqueza, poder, genealogia ilustre;
5.5.2.4 – plano espiritual – missão religiosa, misticismo.
5.5.3 – Mistos – Prejuízo, perseguição, influência, reivindicação, querelância, relação e ciúme.

6 – Abordagem analítico-existencial, psicodinâmica e organodinamista.
A análise existencial: conceito, histórico e fundamentos teóricos.
6.1 – M. Heidegger, Soren Kierkegaard, J.P Sartre, Merleau-Ponty, L. Binswanger, etc.
6.2 – A existência e a essência. A ontologia existencial e a Daseinsanalyse (análise existencial).
6.3 – Temas ou categorias da análise existencial – temporalidade, espacialidade, projeto existencial, autenticidade, encontro, liberdade, angústia (Sorge, preocupação) etc.
6.4 – Noções Básicas – Dasein, Umwelt, Mitwelt e Eigenwelt.
6.5 – Aplicações clínicas – as histórias externa e interna dos pacientes, seus projetos de mundo e patografias. Modos de existir e de adoecer. “A loucura como fenômeno biográfico e como doença mental”. Neuroses e psicoses como novas formas de existência ou de “ser-no-mundo”.
6.6 – Casuística clínica – L. Binswanger e os casos Ilse, Ellen West, Jurg Zund, Lola Voss e Susan Urban. Relatos. A ausência de maturação de maturação existencial, a metamorfose global da estrutura do Dasein, a mundanização e degradação do Dasein.
6.7 – Delírio como mutação existencial total (Kunz) ou como inversão da flecha intencional da consciência (Lopez Ibor).

7 – Abordagem psicanalítica. Concepção psicanalítica clássica de neurose e psicose. As neuroses narcísicas e a regrassão.
7.1 – Freud e o caso D.P. Schreber. O delírio como tentativa de restituição ou reconstrução. A importância dos mecanismos de negação e projeção. Delírio e homossexualidade. Delírio como defesa contra a homossexualidade passiva latente. Tentativas de interpretação. A frase: “Eu o amo”; as contradições ao sujeito, ao predicado, ao complemento e os delírios de ciúme, perseguição, erotomania e de grandeza.
7.2 – M. Klein e a posição esquizoparanóide. A importância dos mecanismos de introjeção, projeção, repressão e das identificações projetivas e introjetivas. O tempo e o espaço originários. A identificação projetiva, a confusão entre realidade interna e externa e os distúrbios da consciência do eu (unidade e identidade). Homossexualidade como defesa contra ansiedades paranóides.

8 – Enfoque organodinamista
Sonho e delírio. J.J. Moreau de Tours, H. Ey e o organodinamismo. Lê fou est um dormeur éveillé (Kant). “O sonho é uma loucura curta e a loucura, um longo sonho” (Schopenhauer). Sonho como loucura virtual de todos os homens.
8.1 – A desestruturação do campo da consciência e a organização do mundo delirante. Relações dos fenômenos sono-sonho com a desorganização do ser consciente e a liberação do inconsciente (H, Jackson e H. Ey).


9 – Aspectos transculturais e trans-históricos da atividade delirante.
As mudanças transculturais e trans-históricas dos delírios. Variações patoplásticas. Modificações sincrônicas e diacrônicas (no espaço sociocultural e no tempo).
9.1 – Fatores patogênicos e patoplásticos (Birnbaum). Influências históricas e socioculturais sobre a patoplastia dos delírios. O Dasein e o Sosein dos delírios.
9.2 – Mudanças das formas sintomáticas das psicoses, dos temas e dos conteúdos delirantes. Poder patoplástico dos fatores históricos e dos agentes socioculturais.

10 – Variações culturais
Conceito e histórico. E. Kraepelin (1904) e a psiquiatria comparada (psicoses dos indígenas de Java X povos da Europa). Estudos atuais.

11 – Mudanças trans-históricas.
Citação de Esquirol (1838): “as idéias dominantes em cada século influem poderosamente sobre a freqüência e o caráter da loucura.”
11.1 – Processos de secularização e tecnificação do delírio correspondem a tempos de dessacralização e tecnocracia. No mundo ocidental contemporâneo, os espíritos diabólicos, as divindades e os sentimentos de culpa foram substituídos pelas correntes elétricas, telegrafia, RX, radar, radiação atômica, televisão, satélites, etc.

12 – Semiotécnica – meios de exploração.


Referências:

1. Alonso – Fernandez F – Fundamentos de la Psiquiatria Actual. Editorial Paz Montalvo, Madrid. 2 vol. 1968.

2. Binswanger L – Case of Ellen West. In: May R, Angel E & Ellenberger HF – Existence, Basic Books, New York, p. 232-364, 1958.

3. Bleuler E – Tratado de Psiquiatria. Espasa, Calpe, Madrid, 1967.

4. Chalub M – Temas de Psicopatologia. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1977.

5. Conrad K – La Esquizofrenia Incipiente. Aihambra, Madri, 1963.

6. Ey H – Estudos sobre los Delírios. Editorial Paz Montalvo, Madrid, 1950.

7. Ey H e cols. – Manuel de Psychiatrie, Masson. Paris, 1970.

8. Freud S – O caso de Schreber. Notas Psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de Paranóia (Demência Paranóide). Edição Standard das obras psicológicas completas de Freud. Imago Editora Ltda. Rio de Janeiro. Vol. XII, 1976.

9. Froom F – Psicoterapia Intensiva em la Esquizofrenia y en los maníaco-depressivos. Ediciones Hormè: Buenos Aires, 1978.

10. Jaspers K – Psicopatologia General. Editora Beta. Buenos Aires. 1955.

11. Kaplan HI, Freedman AM and Sadok BJ – Comprehensive Textbook of Psychiatry, Willams an Wilkins Co. Maryland, 3ed. Edition, Vol. II, 1980.

12. Lucena J – Esquizofrenia e sociedade contemporânea: conceitos e mudanças sintomatológicas. Neurobiologia Recife, 39 (supl): 53-67, 1976.

13. Melo Al – Psiquiatria. Atheneu. São Paulo. Vol. 1. 1970.

14. Paim I – Curso de Psicopatologia. Editorial Grijalbo Ltda. São Paulo, 1974.

15. Portella Nunes E – Obsessão e Delírio: Neurose e Psicose. Imago Editora Ltda. Rio de Janeiro, 1976.

16. Rokeach M – The Three Christs of Ypsilanti. A Narrative of three Lost Men. A Vintage Book, New York, 1964.

17. Schneider K – Problemas de Patopsicologia y de Psiquiatria Clínica. Paz Montalvo, Madrid, 1947.

18. Schneider K – Psicopatologia Clínica. Paz Montalvo, Madrid, 1951.

19. Uchoa DM – A estrutura psicológica do delírio esquizofrênico. Tese. Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, 1962.

 

Artigo retirado do Jornal Brasileiro de Psiquiatria jan/fev 1986. vol.

Vera Fischer


Midia News
Vera Fischer está internada desde o dia 23 de julho no Núcleo Integrado de Psiquiatria (NIP), voltado para dependentes químicos na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. Conforme o iG noticiou com exclusividade no dia 1º de agosto, ...

Acessem, leiam, divulguem!

http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_caps.pdf

(Manual dos CAPS)



http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/diretrizes.pdf

(Saúde Mental e Atenção Básica)

O crack: como lidar com este grave problema (I)

Texto produzido pela Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde

Breve panorama do crack
O panorama mundial da difusão do uso do cloridrato de cocaína (pó) por aspiração intranasal esteve associado, a partir da década de 60, à falta de algumas drogas no mercado, como a anfetamina e a maconha, devido às ações repressivas. Contudo, o alto preço do produto levou usuários de drogas à descoberta de outras formas de uso com efeitos mais intensos, apesar de menor duração. Desse cenário, no início de 1980, aparecem novas drogas obtidas a partir da mistura de cloridrato de cocaína com ingredientes cada vez mais incertos e tóxicos. Tempos depois, surge o uso do crack, outra forma fumável de cocaína, disseminando-se no Brasil, oficialmente a partir de 1989, alastrando-se atualmente, em vários segmentos sociais de gênero, sexo, idade e classe social.  
Na produção de crack não há o processo de purificação final. O cloridrato de cocaína é dissolvido em água e adicionado em bicarbonato de sódio. Essa mistura é aquecida e, quando seca, adquire a forma de pedras duras e fumáveis. Além dos alcalóides de cocaína e bicarbonato de sódio, essas pedras contêm as sobras de todos os ingredientes que já haviam sido adicionados anteriormente durante o refino da cocaína. As pedras de crack são vendidas já prontas para serem fumadas. Sua composição conta com uma quantidade imprecisa de cocaína, suficiente para que possa produzir efeitos fortes e intensos. Além disso, para obter a produção final do crack são misturadas à cocaína diversas substâncias tóxicas como gasolina, querosene e até água de bateria.
O uso disseminado do crack no mundo das drogas está relacionado a vários fatores que levaram a uma grave transformação, tanto na oferta quanto na procura. De um lado, o controle mundial repressivo sobre os insumos químicos necessários a sua produção – como éter e acetona – leva os produtores a baratear cada vez mais sua fabricação, com a utilização indiscriminada de outros ingredientes altamente impuros. Quanto mais barata sua produção, mais rentável é sua venda. Por outro lado, o crack representa para a população usuária de drogas um tipo de cocaína acessível, pois vendido em pequenas unidades baratas, oferece efeitos rápidos e intensos. Entretanto, a desejada intoxicação cocaínica proporcionada pelo crack provoca efeitos de pouca duração, o que leva o usuário a fumar imediatamente outra pedra. Esse ciclo ininterrupto de uso potencializa os prejuízos à saúde física, as possibilidades de dependência e os danos sociais. A inovação no mercado das drogas com a entrada do crack atraiu pequenos traficantes, agravou ainda mais a situação, com o aumento incontrolável de produções caseiras, se diferenciando conforme a região do país.
À cocaína é misturada uma variedade incerta de reagentes químicos em sua preparação. O desconhecimento quanto a sua composição pode dificultar, muitas vezes, as intervenções emergenciais de cuidados à saúde nos casos de intoxicação aguda sofrida por alguns usuários. Tais condições, porém, não impossibilitam o desenvolvimento de ações voltadas à saúde e ao bem-estar social da referida população
Formas de uso e seus efeitos  
O crack é fumado por ser uma forma mais rápida (e barata) de a droga chegar ao cérebro e produzir seus efeitos. A pedra é quebrada e fumada de diversas maneiras e em diferentes recipientes: enrolada no cigarro de tabaco ou misturada na maconha – forma que parece amenizar psiquicamente os efeitos maléficos da droga, como o sentimento de perseguição, a agitação motora e posteriormente a depressão. É também fumado em cachimbos improvisados feitos em tubos de PVC ou em latas de alumínio muitas vezes coletados na rua ou no lixo, apresentando possibilidades de contaminação infecciosa. O uso de latas favorece a aspiração de grande quantidade de fumaça pelo bocal, promovendo intoxicação pulmonar muito intensa.   
            São vários os tipos de danos causados pelo uso de crack. Além dos problemas respiratórios pela inspiração de partículas sólidas, sua ação estimulante leva à perda de apetite, falta de sono e agitação motora e, a dificuldade de ingestão de alimentos pode levar à desnutrição, desidratação e gastrite. Podem ser ainda observados sintomas físicos como rachadura nos lábios pela falta de ingestão de água e de salivação, cortes e queimaduras nos dedos das mãos e às vezes no nariz, provocados pelo ato de quebrar e acender a pedra, além de ficar o usuário mais exposto ao risco social e de doenças.
Dados epidemiológicos  
O cenário epidemiológico do crack no Brasil, segundo o CEBRID, aponta:  
1.      População geral, cidades com mais de 200.000 habitantes (2001 e 2005) 


2001
2005
homens
mulheres
total
homens 
mulheres
total 
Crack: uso na vida (%)
0,7 
0,2
0,4  
1,5
0,2  
0,7

                  
2.      Estudantes de 10 a 19 anos, ensino fundamental e médio da rede pública de ensino, (2004) – padrão de consumo de crack  

Padrão de uso  
%
Uso na vida
0,7
Uso no ano
0,7
Uso no mês  
0,5  
Uso freqüente* 6 ou mais vezes nos últimos 30 dias
0,1  
Uso pesado** 20 ou mais vezes nos últimos 30 dias
0,1

                                      
3.      Crianças e adolescentes, de 9 a 18 anos, em situação de rua (27 capitais brasileiras - 2003)  

Uso no ano  
8,6%
Uso no mês
5,5%  



          Gestores de saúde mental relatam aumento no consumo de crack em regiões que não apresentavam consumo significativo da droga, em especial no nordeste e nas cidades fora dos grandes centros urbanos. O aumento parece estar relacionado com o baixo custo e as características dos efeitos procurados, embora sejam necessários estudos e pesquisa sobre a influência desses ou outros fatores.
            Atenção integral em saúde e saúde mental aos usuários de crack  
Como todo uso de drogas está associado a fatores biopsicossociais, o consumo de crack não é diferente. Além dos problemas físicos já descritos, há os de ordem psicológica, social e legal. Ocorrem graves perdas nos vínculos familiares, nos espaços relacionais, nos estudos e no trabalho, bem como a troca de sexo por drogas e, ainda, podendo chegar à realização de pequenos delitos para a aquisição da droga. Há controvérsia se tais condutas socialmente desaprovadas têm relação com o estado de “fissura” para usar ou se resulta da própria intoxicação. A unanimidade é que o usuário desemboca numa grave e complexa exclusão social.  
As abordagens ao usuário de crack exigem criatividade, paciência e respeito aos seus direitos, enquanto cidadão, para superar seu estado de vulnerabilidade, riscos, estigma e marginalização. Estratégias preventivas podem ser levantadas não somente entre esse novo grupo, como também dirigidas àqueles usuários que, por algum motivo, ainda não se aventuraram nesse tipo de droga. O atendimento ao dependente de crack deve considerar alguns importantes critérios: 
      1.            O usuário que não procura tratamento: a ele devem ser dirigidas estratégias de cuidados à saúde, de redução de danos e de riscos sociais e à saúde. As ações devem ser oferecidas e articuladas por uma rede pública de serviços de saúde e de ações sociais e devem ser feitas por equipes itinerantes, como os consultórios de rua,  que busquem ativamente ampliar o acesso aos cuidados em saúde e em saúde mental destes usuários. A perspectiva dessa abordagem objetiva os cuidados da saúde como também as possibilidades de inserção social. 
      2.            A porta de entrada na rede de atenção em saúde deve ser a Estratégia de Saúde Família e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Estes serviços especializados devem ser os organizadores das demandas de saúde mental no território. Os CAPS devem dar apoio especializado às ESF, fazer articulações intersetoriais (educação, assistência social, justiça, cultura, entre outros) e encaminhar e acompanhar os usuários à internação em hospitais gerais, quando necessário.  
      3.            Quando o usuário acessa as equipes de saúde e de saúde mental,  é necessária uma avaliação clínica das suas condições de saúde física e mental, para a definição das intervenções terapêuticas que devem ser desenvolvidas. É importante que se faça uma avaliação de risco pelas equipes de saúde para se definir se é necessária ou não a internação. 
      4.            A internação deve ser de curta duração, em hospital geral da rede pública, com vistas à desintoxicação associada aos cuidados emergenciais das complicações orgânicas e/ou à presença de algum tipo de co-morbidade desenvolvida com o uso. É concebível e muito comum que usuários de crack, ainda que num padrão de uso preocupante, resistam à internação e optem pela desintoxicação e cuidados clínicos em regime aberto, acompanhado nos CAPSad por uma equipe interdisciplinar, nos níveis de atendimento intensivo, semi-intensivo e até o não intensivo. Nesse caso, a boa evolução clínica, psíquica e social dependerá da articulação inter e intrasetorial das redes de apoio, inclusive e se possível, com mobilização familiar. 
      5.            A decisão pela internação deve ser compreendida como parte do tratamento, atrelada a um projeto terapêutico individual e, assim como a alta hospitalar e o pós-alta, deve ser de natureza interdisciplinar. Intervenções e procedimentos isolados mostram-se ineficazes, com pouca adesão e curta duração, além de favorecer o descrédito e desalento da  família e mais estigma ao usuário.  
Estratégias de intervenção e cuidados da rede de saúde:  
    1. Avaliação interdisciplinar para cuidados clínicos (e psiquiátricos, se necessário)
    2. Construção de Projeto Terapêutico Individual, articulado inter e intrasetorialmente 
    3. Atenção básica (via ESF e NASF, com participação de profissionais de AD) 
    4. CAPSad – acolhimento nos níveis intensivo, semi-intensivo até não intensivo 
    5. Leitos em hospital geral 
    6. Consultórios de rua, casas de passagem 
    7. Estratégias de redução de danos 
    8. Articulação com outras Políticas Públicas: Ação Social, Educação, Trabalho, Justiça, Esporte, Direitos Humanos, Moradia.


                                                                                                                                                15.dezembro.2009
Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool & Outras Drogas

 Referências bibliográficas de consulta:
1. Domanico, A. & MacRae, E. Estratégias de Redução de Danos entre Usuários de Crack. In: Silveira, D. X. & Moreira, F. G. Panorama Atual de Drogas e Dependências. São Paulo: Ed. Atheneu, 2006.
2. Silveira, DX, Labigalini E. e Rodrigues, LR Redução de danos no uso de maconha por dependentes de crack. In: SOS crack prevenção e tratamento. Governo do Estado de São Paulo, 1998.
3. Andrade, AG, Leite, MC e col. Cocaína e crack: dos fundamentos ao tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
4. Governo de São Paulo. SOS crack: prevenção e tratamento, diretrizes e resumos de trabalhos, 1999.
5. Silva, SL. Mulheres da luz: uma etnografia dos usos e da preservação no uso do crack. 2000.
 

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